STJ julgará Difal de ICMS para empresas
Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgará, pela primeira vez, se é válida a
cobrança do diferencial de alíquotas (Difal) do ICMS na compra de
mercadoria por empresa de vendedor em outro Estado. O tema trata das
cobranças até 2022 e interessa particularmente o varejo e a indústria, pois
adquirem bens para uso e consumo ou ativo imobilizado, como insumos e
maquinário.
A 1ª Seção julgará a tese em recurso repetitivo, o que vinculará todo o Judiciário.
Os casos selecionados envolvem a Sendas Distribuidora S.A. (Assaí) e uma
multinacional do setor de alumínio. No STJ, já foram proferidas cerca de 400
decisões monocráticas sobre o assunto, segundo Ministério Público Federal
(MPF).
A Corte nunca analisou o mérito da questão, pois entendia que o tema seria
constitucional. Isso quer dizer que caberia ao Supremo Tribunal Federal (STF)
julgar. Mas, em outubro de 2024, o STF entendeu que a matéria seria
infraconstitucional, ou seja, de competência do STJ (Tema 1331).
A disputa se baseia na necessidade ou não de lei complementar para validar a
incidência do Difal nessas operações. Para os contribuintes, a Lei Kandir (Lei
Complementar nº 87/1996) não prevê a incidência do diferencial de alíquotas.
Isso foi permitido somente em 2022, com a edição da Lei Complementar nº
190.
A controvérsia se refere ao passado e as empresas dizem que podem recuperar,
se vencerem a disputa, os valores pagos indevidamente de Difal de ICMS desde
os cinco anos anteriores ao ajuizamento das ações judiciais até 2022. Defendem
que só a partir daí passou a estar expressa em lei a tributação. Já os Estados
entendem que desde a Lei Kandir é válida a cobrança.
A tese das empresas ganhou força após um julgamento do STF que analisou a
incidência do diferencial de alíquotas para pessoas físicas - não contribuintes do
ICMS. Os ministros concluíram que a cobrança “pressupõe a edição de lei
complementar veiculando normas gerais” (Tema 1093).
Os contribuintes tentam replicar esse entendimento do Supremo para as
empresas no STJ. Até então, segundo advogados, a maioria das decisões dos
tribunais estaduais é desfavorável. “Mas a tese é boa e estamos esperançosos”,
afirma o tributarista Leonardo Andrade, sócio do Andrade Maia Advogados.
Andrade, que defende o Assaí no STJ (REsp 2025997), tem cerca de 200 ações
sobre o assunto, com impacto estimado de R$ 2 bilhões no total. Na visão dele,
a autorização para a cobrança do Difal de ICMS só foi possível a partir de 2022.
“A Lei Kandir fala só de responsabilidade tributária, de quem deve pagar. Só
que é de uma maneira genérica, não tem previsão de fato gerador nem base de
cálculo, que só surge com Lei Complementar Nº 190, de 2022. Antes disso, não
havia base legal”, afirma.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Distrital (PGDF), parte nos casos do STJ,
discorda. Em nota ao Valor, diz que o tributo sempre teve respaldo
constitucional e legal, desde a Lei Kandir. “A Emenda Constitucional nº
87/2015 tratou apenas dos casos em que o comprador é um consumidor final
que não recolhe ICMS, como pessoas físicas em compras pela internet. Nesses
casos, o STF determinou a necessidade de lei complementar específica. Mas
isso não se aplica às empresas contribuintes”, afirma.
O órgão entende que tribunais passaram a aplicar, "de forma equivocada", a
decisão do STF às companhias. Defende ser “essencial que o STJ reafirme a
possibilidade de cobrança” para “preservar o equilíbrio federativo e garantir os
recursos necessários para a manutenção de políticas públicas essenciais à
população”.
Leonardo Andrade lembra de um raro precedente do STF reconhecendo que
as operações não eram reguladas pela Lei Kandir. No voto, o ministro Luís
Roberto Barroso diz que “é certo que a Constituição Federal prevê a cobrança
da diferença de alíquota em favor do Estado de destino nas operações
interestaduais”. “Todavia, a existência de previsão constitucional não basta para
que o legislador estadual possa fazer incidir o imposto nas aquisições de bens
para o ativo fixo e material para uso e consumo do estabelecimento”, diz
Barroso no voto (RE 580903).
Segundo Gustavo Vita Pedrosa, do SDH Advogados, o tema ganhou relevância
com o Protocolo nº 21/2011 do Confaz, que previu o Difal de ICMS para
consumidores finais não contribuintes (pessoa física). E, principalmente, após
o STF entender que para as pessoas físicas seria necessário lei complementar.
“Agora, o argumento das empresas é que as leis estaduais que previam a
cobrança não têm eficácia, só vieram a ter com a lei complementar, em 2022”,
afirma Pedrosa, que atua no outro caso do STJ (REsp 2133933).
Já Leandro Genaro, do Santos Neto Advogados, entende que a Lei Kandir já
possibilitava a cobrança do Difal de ICMS. “O parágrafo primeiro do artigo 6º
da lei já trazia essa regra para as empresas”, diz. “É diferente de consumidor
final não contribuinte que não recolhe Difal de ICMS. A empresa já tem
inscrição estadual e sabe dos procedimentos para recolher.”
Para Douglas Guilherme Filho, do Diamantino Advogados Associados, é
preciso respeitar o princípio constitucional da legalidade. “Deve haver a
observância de norma específica para regular a cobrança e antes da Lei
Complementar nº 190 não poderia ser cobrado o tributo porque não havia a
regulamentação”, afirma.